ZÉ BICO




ZÉ BICO



galeria marcelo guarnieri | ribeirão preto

abertura
27 de maio, 2023
15h-18h30

período de visitação
27 de maio – 29 de julho, 2023



rua nélio guimarães, 1290
ribeirão preto – sp – brasil / 14025 290
[ mapa ]



A Galeria Marcelo Guarnieri apresenta, de 27 de maio a 29 de julho de 2023, em nosso espaço de Ribeirão Preto, a exposição individual de Zé Bico (José Carlos Machado). A mostra reúne um conjunto de 8 esculturas que dão continuidade à sua pesquisa sobre as relações entre o equilíbrio e a instabilidade, agora desenvolvida através do trabalho com o aço corten. Zé Bico parte de um estudo empírico de sistemas de peso e contrapeso e da execução de apoios e encaixes para formar arranjos que aludem a desintegração de um volume cúbico. Motivado pelo desejo de realizar obras para áreas externas, o artista amplia a escala de suas peças e encontra no aço corten o material adequado para resistir à ação do tempo e das intempéries, sem, no entanto, abrir mão da qualidade de leveza que caracteriza o seu trabalho.   

  • A linguagem escrita, a visual, a sonora… elas podem se complementar na apresentação de uma ideia ou de uma exposição. Diante dessa condição, e da relação privilegiada que o artista possui com suas próprias obras, o que você acha que essas que estão aqui expostas te pediriam para falar?

Eu vejo como pássaros pousando ou levantando voo. Como a imagem de Paul Valéry falando da leveza do pássaro (que pousa com firmeza) e não da pluma. As esculturas estão apoiadas em apenas 3 pontos, os volumes que a constituem são ocos, foram feitas com chapa de 2mm. Parece que são peças maciças, mas são leves. O trabalho foi super bem executado pelo Célio e pelo Alex da Oficina do Corten. 

  • Pode nos contar um pouco como foi o processo de produção dessas obras? Na sua última exposição na galeria em 2019, em São Paulo, algumas dessas formas já estavam presentes, menores e em madeira. Agora elas reaparecem estabelecendo uma relação muito mais direta com o espaço. Como surge essa motivação para ampliar essa escala e experimentar com outro material?   

As obras anteriores e as atuais partem do jogo entre os 3 L, a mudança é que não há mais os encaixes e os L foram fragmentados e deslocados, criando espaços vazios ao longo do segmento. Fui realizando aos poucos:  primeiro retirei os cantos dos L, depois desloquei um dos L, fragmentei partes, mas sem perder a estrutura dos 3 L. No final do processo o enxugamento foi tanto, que os 3 L deixaram de existir e restaram 3 retângulos.

O início do trabalho foi realizado em madeira, com uma cola instantânea que resultava numa fragilidade estrutural. Quando passei para o aço corten, descobri que não havia necessidade de soldar as junções entre as peças, bastava prolongar a face de uma das placas que compõem o retângulo dos L. Este prolongamento passa a fazer parte do outro retângulo ou cubo, fechando a sua base, portanto você passa de um plano ao outro sem solda, e com isso ganhei a liberdade de fazer novos arranjos. Isto permitiu segmentar os L de várias maneiras, os retângulos maiores foram então fragmentados em retângulos menores e cubos que se soltam da estrutura, resultando em uma sequência de 8 trabalhos.

  • Há essa sensação de que as suas esculturas estão sempre na iminência da queda. Elas têm uma relação estreita com o movimento, mas na maioria das vezes estão paradas. Estão em equilíbrio, mas em um jogo de forças que parece sempre inclinado à uma direção. Você pode falar um pouco sobre a importância das noções de inclinação e iminência dentro do seu trabalho?

Evito colocar as peças no prumo, a inclinação provoca um desequilíbrio, mas a estabilidade está presente nos 3 pontos de apoio. Gosto dessa sensação de desequilíbrio que a inclinação produz, parece que vai cair, mas não cai. Esta premência, para mim, dá a ideia de leveza e movimento. Acredito que esta seja a iminência que você refere na pergunta.  

  • As peças apresentadas nesta exposição são todas feitas em aço corten, um material que, no contexto da arte brasileira, possui uma forte identidade associada à produção de artistas neoconcretos. A última exposição que tivemos na nossa galeria de São Paulo foi a individual de José Resende, que intitulou a mostra em referência direta aos nomes de Amilcar de Castro, Lygia Clark e Franz Weissmann, apresentando peças também em aço corten. Como você se relaciona com essa tradição no desenvolvimento do seu trabalho?

O desejo de fazer esculturas para áreas externas impôs a utilização do aço corten, um material que não deteriora com o tempo e não precisa de pintura. A utilização deste material em esculturas, além das referências neoconcretas que citou, foi muito bem explorado por Richard Serra e Eduardo Chillida, artistas cujos trabalhos admiro muito, assim como o de Zé Resende. Não sei dizer se estou dentro desta tradição do neoconcretismo ou não, mas com certeza foram influências. 

  • Voltando para o começo… Você se formou na FAU USP na década de 80, certo? Pode nos contar um pouco sobre a sua formação e o contexto daquele momento? E depois que se formou, como foi esse caminho de atuação entre o artista e o arquiteto? Como eles se encontram em sua obra?

Me formei em 1977, imperava a ditadura militar e não se podia falar sobre política na FAU, apesar disso, a maioria dos professores eram progressistas. Foi um banho de cultura! Tive professores artistas como Flávio Mota (um gênio), Renina Katz, Flávio Império e Claudio Tozzi, professores que me despertaram o interesse pela arte. Tive acesso à biblioteca da FAU, que era fantástica e recheada de livros de artes, mas na época estava focado em planejamento urbano. 

Iniciei o trabalho como arquiteto fazendo projetos de pequenos galpões industriais, fiz casas no interior e litoral. Mais tarde, quando já desenvolvia o trabalho de arte, fazia reformas de apartamentos para sobreviver. Nunca trabalhei em escritórios de arquitetura. Acredito que o estudo da arquitetura me trouxe a noção de espaço, de volume e de proporções, mas meu trabalho sempre foi empírico, sem grandes cálculos, encontrando na experimentação as soluções.

Iniciei nas artes fazendo trabalhos com fios de latão, que eram figuras vazadas no espaço na forma de móbiles e trabalhos de mesas estáveis com iminência de movimento. Desde o início trabalhava direto na construção de objetos. Na década de 80 fiz trabalhos com aros de tubos de ferro e alumínio que se movimentavam na base e com imãs que se inclinavam no espaço. Nesta época, no final dos anos 70, conheci a Amelia Toledo e comecei a frequentar o ateliê dela, íamos juntos a exposições, conheci as Galerias de Raquel Arnaud, Regina Boni, Luisa Strina e Millan. Amelia se tornou uma grande amiga, e me incentivou a me dedicar ao trabalho de arte. 

  • Agora tomando o termo emprestado de Luiz Paulo Baravelli, quem são aquelas pessoas, coisas ou imagens que você chamaria de “amigos e vizinhos” (guias e orientadores em sua trajetória)? 

Além da Amelia que já citei, fui influenciado pelos trabalhos de alguns escultores que tive a oportunidade de ver nas galerias de São Paulo nos anos 80 e que são referências até hoje, tais como Amilcar de Castro, Sergio Camargo, José Resende, Tunga e Waltercio Caldas. Morei em Londres por três anos no início dos anos 90 e então interrompi por quase duas décadas o trabalho de arte, embora fizesse estudos e anotações do que gostaria de realizar. Durante esse intervalo, realizei trabalhos de design de mesas e cadeiras, com madeira, ferro e vidro, também estruturados por encaixes. Em 2010 reencontrei o Marcelo Guarnieri na SP-Arte, ele disse que vinha me procurando há anos. Coincidentemente acabara de ficar viúvo, após anos de luta contra o câncer da minha mulher e estava pensando em retomar o trabalho de arte. O encontro com o Marcelo foi um divisor de águas, assim como o encontro com a Amelia. O valor que ele sempre deu ao meu trabalho e a parceria que fizemos me incentivou a voltar a produzir e já estamos indo para a quarta exposição. 

  • Em trabalhos anteriores você explorou interações magnéticas e efeitos ópticos por meio do uso de vidros, imãs e espelhos. Materiais e fenômenos físicos que dão espaço para a dúvida, que relacionam-se às questões do invisível. Aqui nesta exposição as peças são todas em aço corten, um material robusto, estrutural, opaco. Os desenhos dessas esculturas, no entanto, nos dão a sensação de que as formas estão incompletas, que a matéria não é capaz de resolver tudo, os vazios também contam. Como você pensa essas relações dentro da sua produção?

A partir do trabalho original de 3 L que se articulavam no espaço, parti para a desconstrução e fragmentação da forma sem, no entanto, perder a estrutura dos 3 L.  Cortando fora das peças os cantos retos dos L ou subtraindo partes da sua extensão (que resultou em retângulos menores e cubos) e também deslocando de lado a base do L que deixou de ser uma superfície contínua, espaços vazios foram aparecendo na sua parte sólida que se somaram aos espaços já existentes entre as partes. O processo resultou numa série de 8 trabalhos, sendo que nos dois últimos a desconstrução dos L foi total. Os vazios que aqui se fazem presentes também aparecem nos meus trabalhos anteriores: espaços vazios entre os imãs, a sombra que some no espelho e os blocos de ferro no chão que aparecem e desaparecem conforme você se aproxima do vidro. 

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