FLÁVIO DAMM, UM FOTÓGRAFO
galeria marcelo guarnieri | rio de janeiro
abertura
11.05.2017 / 18h – 21h
período de visitação
11.05 – 30.06.2017
Rua Teixeira de Melo, 31 – lojas C/D
Ipanema – Rio de Janeiro – Brasil
[ mapa ]
Pombos, freiras e namorados. São esses três elementos que parecem perseguir Flávio Damm nos passeios que costuma fazer pelas ruas acompanhado de sua Leica. Constituindo um acervo de quase 60 mil negativos, uma parte das imagens que Damm produziu dá conta de retratar situações triviais do contexto urbano de diversas partes do mundo, sem, no entanto, abdicar do caráter construtivo ou mesmo poético em suas composições. São resultado do trabalho paciente e sensível de um fotógrafo que se propõe a ser apenas testemunha de momentos inusitados: ter o olho certo no lugar e na hora certa. Tal habilidade não pode ser fruto do mero acaso, ela se desenvolve em anos de exercício, do contato com a dinâmica das pessoas e das cidades em suas mais variadas formas de organização. Talvez a frequência daqueles três elementos em suas fotografias possa ser explicada pela vontade de adentrar, sem ser notado, em mundos tão particulares que casais de namorados, grupos de freiras e aglomerado de pombos criam para si em espaços públicos, e que acaba por exigir, de quem fotografa, um exercício incansável de aproximação. Desse modo, por mais que insista nesse desejo, Damm jamais poderá desvendar o mistério que envolve cada um desses grupos, mas se vale da insistência para criar intimidade com suas formas plásticas e saber explorá-las em seus variados aspectos, seja a partir do corte seco e geométrico da vestimenta das freiras, seja a partir das silhuetas de pombos alinhados no alto de um muro.
Uma outra porção de negativos do grande acervo de Flávio Damm é proveniente de seus mais de 70 anos de atividade jornalística. O fotógrafo, aliás, é conhecido por ser um dos maiores nomes da história do fotojornalismo brasileiro. Além de ter sido correspondente de grandes agências de jornalismo internacionais e de ter criado, junto a José Medeiros, a sua própria agência de fotografia, a pioneira Image, Flávio Damm integrou por dez anos a equipe da revista O Cruzeiro em seus tempos áureos, sendo ele mesmo peça chave na revolução que a publicação causou na imprensa brasileira. Criada em 1928, O Cruzeiro teve um papel importantíssimo no registro e na comunicação de um Brasil ainda pouco integrado entre suas regiões – quase sem estradas e sem televisão até a década de 1970 – e se estabeleceu como um dos mais influentes veículos de comunicação de massa do país. Sob a bandeira da modernidade e do progresso, a publicação apresentava inovações gráficas e editoriais, incorporando em seu projeto, a partir da década de 1940, o modelo da fotorreportagem, desempenhando, deste modo, um papel fundamental na elaboração da imagem do país como nação. O relato histórico ganhava, naquele momento, a força comprobatória da verdade fotográfica, dando ao fotógrafo a responsabilidade de ser o sujeito da narrativa, de ver por todos aqueles que não podiam estar no momento da ação, escolhendo o ângulo que julgasse mais adequado.
Flávio Damm contou muitas histórias enquanto esteve envolvido com o fotojornalismo: em 1948, fotografou Getulio Vargas em seu auto-exílio na fazenda de Itu, no Rio Grande do Sul, sendo o primeiro fotógrafo autorizado a fazê-lo naquela circustância e produzindo importantes imagens que circularam internacionalmente e antecederam o seu retorno à política brasileira; reportou distintos modos de vida e tradições dos lugares mais remotos de um Brasil ainda “em descobrimento”, como em 1954, quando publicou na revista O Cruzeiro registro do ritual de lamentação dos penitentes de Xique-Xique, no sertão da Bahia; esteve presente também na cerimônia de coroação da Rainha Elizabeth II, na Inglaterra, em 1953 e no lançamento do primeiro foguete na base de Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, em 1957, sendo o único fotógrafo profissional brasileiro a registrar tais eventos. Fiel à fotografia analógica em preto e branco e avesso ao uso do Photoshop ou de outras manipulações na imagem, Damm preza pelo registro direto, pois acredita que assim cumpre, de maneira responsável, com a sua função de “testemunha ocular”.
Das fotografias apresentadas na exposição, uma parte foi produzida nas décadas de 2000/2010 e outra nas décadas de 1950/1960, em cidades do Brasil como Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro e em países como Portugal, Espanha e França. Não tão alinhadas à linguagem jornalística, essas fotografias evidenciam uma liberdade de composição formal e poética, transportando o espectador a momentos de contemplação e beleza, à posição do flaneur, que, vagando pela cidade, é surpreendido por situações dignas de registro. Mais do que testemunha de um fato, Flávio Damm, na escolha do enquadramento permitido pela lente 35mm de sua Leica – câmera que por seu tamanho e leveza permite a ele agir com rapidez e discrição -, acaba por assumir o lugar de testemunha de um instante, que, ao se transformar em imagem, traz junto uma atmosfera, seja de humor, encanto ou melancolia. Ainda assim, são registros da história. O que essas fotografias nos sugerem, talvez, seja uma vontade de contá-la a partir das questões próprias da linguagem visual, sem, com isso, dever nada ao verbo.
FLÁVIO DAMM, UM FOTÓGRAFO
galeria marcelo guarnieri | rio de janeiro
opening
May 11, 2017 / 6 – 9pm
exhibition
May 11 – June 30, 2017
Rua Teixeira de Melo, 31 – lojas C/D
Ipanema – Rio de Janeiro – Brasil
[ map ]
Pigeons, nuns and lovers. These are three elements that seem to persecute Flávio Damm in his street walks accompanied by his Leica. A collection of almost 60,000 negatives, part of the images that Damm produced portrays trivial situations in the urban context of various parts of the world, without, however, abdicating the constructive or even poetic character in his compositions. They are the result of the patient and sensitive work of a photographer who proposes to be just a witness of unusual moments: having the right eye in the right place at the right time. Such ability cannot be the result of mere chance, it is developed in years of exercise, of contact with the dynamics of people and cities in their most varied forms of organization. Perhaps the frequency of these three elements in his photographs can be explained by the desire to enter, unnoticed, in worlds so particular that couples of lovers, groups of nuns and crowds of pigeons create for themselves in public spaces, and that ends up demanding, from those who photograph, a tireless exercise of approach. Thus, as much as he insists on this desire, Damm can never unravel the mystery that surrounds each of these groups, but he uses the insistence to create intimacy with their plastic forms and to explore them in its various aspects, either from the punctual and geometric cut of the nuns’ dress, or from the silhouettes of pigeons lined up on the top of a wall.
Another portion of negatives from the great collection of Flávio Damm comes from his more than 70 years of journalistic activity. The photographer, by the way, is known for being one of the most famous names in the history of Brazilian photojournalism. In addition to having been a correspondent for major international journalism agencies and having created, along with José Medeiros, his own photography agency, the pioneering Image, Flávio Damm integrated for ten years the team of the magazine O Cruzeiro in its golden age, being Damm himself a key player in the revolution that the publication caused in the Brazilian press. Founded in 1928, O Cruzeiro played a very important role regarding records and communication of a Brazil still little integrated between its regions – almost without roads and without television until the 1970s – and has established itself as one of the most influential mass communication vehicles of the country. Under the banner of modernity and progress, the publication featured graphic and editorial innovations, incorporating in its design, as of 1940s, the model of photo reporting, thus playing a key role in shaping the image of the country as a nation. The historical report was now gaining the verifying power of the photographic truth, giving the photographer the responsibility to be the subject of the narrative, to see for all those who couldn’t be there in the moment of the action, choosing the angle that he judged most appropriate.
Flávio Damm told a lot of stories while he was involved with photojournalism: in 1948, he photographed Getulio Vargas in his self-exile at the Itu farm in Rio Grande do Sul, being the first photographer authorized to do so in that circumstance and producing important images that circulated internationally and preceded Vargas’ return to Brazilian politics; reported different lifestyles and traditions of the remotest places of a Brazil still “in discovery”, as in 1954, when he published in the magazine O Cruzeiro a record of the lamentation ritual of the penitents of Xique-Xique, in the interior of Bahia; Damm was also present at the coronation ceremony of Queen Elizabeth II in England in 1953 and at the launch of the first rocket ship at the Cape Canaveral base in the United States in 1957, being the only Brazilian professional photographer to register such events. True to black-and-white analog photography and averse to Photoshop or other manipulations in the image, Damm values direct registration, believing that he thus performs responsibly with his “eye-witness” role.
From the photographs presented in the exhibition, one part was produced in the decades of 2000/2010 and another in the 1950s and 1960s, in cities in Brazil as Salvador, Porto Alegre and Rio de Janeiro and in countries such as Portugal, Spain and France. Not so aligned with journalistic language, these photographs show a freedom of formal and poetic composition, transporting the spectator to moments of contemplation and beauty, to the position of the flaneur, who, wandering around the city, is surprised by situations worthy of registration. More than a witness of a fact, Flávio Damm, in choosing the frame allowed by the 35mm lens of his Leica – camera that, by its size and lightness, allows it to act with speed and discretion -, ends up assuming the role of the witness of an instant, which, when transformed into an image, brings together an atmosphere, whether of humor, charm or melancholy. Still, they are records of history. Perhaps, what these pictures suggest us, is a desire to tell it as from the visual language point of view, without, therefore, owing nothing to the verb.