FLÁVIA RIBEIRO
Três partes de espaço e uma de tempo
galeria marcelo guarnieri | ribeirão preto
abertura
27.10.2018 / 15h – 19h
período de visitação
27.10.2018 – 31.01.2019
rua nélio guimarães, 1290
ribeirão preto – sp – brasil / 14025 290
[ mapa ]
Suponhamos que inicialmente seja o espaço. Testar peso, tamanho, equilíbrio e textura. Tocar, moldar e fundir para saber do que se trata. Mexer nas coisas e fazer parte delas, doar um pedaço do próprio corpo por meio do gesto. Suponhamos, então, que inicialmente não seja desenho. Desinvestido de sua função de projeto, o desenho existe apenas como um segundo encontro, uma forma de entender, no plano, aquilo que já foi modelado no espaço. Uma espécie de tradução. Flávia Ribeiro concebe as formas que lhe surgem intuitivamente já na terceira dimensão, transformando-as, enfim, em coisas: coisas que pesam, imóveis sobre o chão ou pendentes no ar. Pesam também no tempo, quando fundidas em bronze, matéria que carrega o valor da história e o símbolo da eternidade e por serem produto de uma técnica milenar, como é a fundição.
Aliás, não seria a própria experiência da vida uma questão no trabalho de Flávia Ribeiro? Distanciada de uma abordagem literal ou religiosa, Ribeiro nos permite refletir sobre ela a partir de noções como movimento e transformação. Seus objetos parecem estar sempre em trânsito, pulando da terceira para a segunda dimensão, ou da segunda para a terceira; assumem múltiplas formas de existência, sendo papelão e parafina para logo então ser bronze, ou ser guache para depois ser veludo; podem ser pendentes a partir de pontos de apoio fixados na parede, atestando a força da gravidade que rege e organiza nossa forma de vida neste planeta; constroem-se a partir do desejo constante de cercar espaços cheios de vazios, reivindicando seu direito de existência entre o tudo e o nada; evidenciam, enfim, em suas superfícies, o vigor do gesto de uma mão inquieta, seja no traço do lápis, seja na modelagem da parafina. Assim, somos instigados a acompanhá-los, caminhando pra lá e pra cá de modo a alcançá-los, curvando a coluna ou esticando o pescoço, sentindo no corpo e na alma o efeito de suas variadas texturas, dimensões e atmosferas. Tem sido assim desde a última exposição da artista na Galeria, em maio de 2017. A relação que estabelecemos com os trabalhos de Flávia Ribeiro, aliás, não precisa ser mediada pelas palavras, afinal, ninguém precisa nos dizer que estamos vivos: podemos sentir.
As peças que compõem “três partes de espaço e uma de tempo” foram, em sua maior parte, produzidas durante o último ano, sendo, portanto, diferentes daquelas apresentadas na Galeria (São Paulo) em maio de 2017. São como estruturas cujas gorduras lhe foram retiradas, restando-lhes apenas as arestas em bronze que as permitem ficar de pé. Além destas, alguns ganchos, e pendendo deles, só aquilo que sobrou de outros corpos antes gordos. Diante destes vestígios, podemos nos perguntar: o que aconteceu? E num segundo momento, avançamos: o que será que ainda pode acontecer? Os copos estão vazios, mas muito bem organizados, prontos. E os ganchos não são fixos às arestas – poderiam ser movidos ou deslocados? Novos esqueletos talvez possam ser dispostos sobre os platôs que, ora interligam tais estruturas, ora compõem com elas para além de seus limites. Repare que até você, um pouco encolhido, caberia dentro de algumas dessas gaiolas – foram feitas sob medida? – então qualquer coisa pode acontecer a partir de agora.
Alguma expectativa parece mobilizar o espectador também quando diante de “caixa morte / a noiva”, peça composta por outra caixa, agora cerrada por suas 6 faces de bronze, sobre um véu de organza de seda. Seu interior pode ser acessado pela visão através de 5 ou 6 pequenos furos, e é esse mínimo acesso que leva qualquer um a buscar lá dentro algum conteúdo, um objeto ou miniatura, que seja. Em resposta, apenas o vazio e a sensação de clausura. Talvez o casamento, consequência do noivado, outro momento de transição, entre ser apenas um e ser completamente dois, seja essa nova vida depois da própria morte. E de novo, para aproximar-nos do trabalho de Flávia Ribeiro, falamos sobre transformações, sobre movimento, ciclos e agora também sobre órbitas. “léstia”, trabalho de 2001 que também integra a exposição, faz referência ao sistema astronômico dos pitagóricos, o primeiro a conceber a Terra como uma esfera girando em torno de seu próprio eixo e, assim como os outros planetas, ao redor de um fogo central que ordenaria e moldaria a matéria.
Uma das esferas remanescentes de “léstia” (2001) ressurge, dezessete anos depois, em uma das novas peças apresentadas em “três partes de espaço e uma de tempo”. As impressões fotográficas que retratavam a artista de costas imersa numa profunda escuridão, parte integrante da exposição de 2017, aqui, já não podemos ver. As imagens podem ter desaparecido com o tempo, e em substituição, pode ter surgido a placa corpo (2018), placa de bronze, também preta, cujas dimensões e disposição espacial são quase iguais às de “Duplo Figurado” (2014-2017). Objetos e imagens que desaparecem, reaparecem, mudam de lugar, se sobrepõem. O olhar corre o espaço da galeria e pode ultrapassar quase tudo que a ocupa, o fluxo é livre e são diversas as composições esboçadas no campo visual. Em “três partes de espaço e uma de tempo” parece haver um interesse pelas estruturas primordiais do nosso pensamento: da maneira como nos situamos no tempo e no espaço, nas categorias que escolhemos para organizar os nossos objetos, nossas linguagens e idiomas. São exemplos ainda mais evidentes desse interesse os trabalhos “pintura” (2018) e “linha atômica” (2001-2018), pois aludem às estruturas básicas de classificação e composição – seja da linguagem, seja da matéria. Então suponhamos que seja sobre o espaço, mas também sobre o tempo.
Flávia Ribeiro nasceu em São Paulo em 1954, onde vive e trabalha. Frequentou a Escola Brasil, no início dos anos 1970, onde foi aluna de Carlos Fajardo, José Resende, Frederico Nasser e Luiz Paulo Baravelli. Em 1978, mudou-se para Londres, onde frequentou o curso de gravura na Slade School of Fine Art. Posteriormente, em 1996, voltou a morar em Londres com o apoio da Fundação Vitae e do British Council.
Principais exposições individuais: “Mecânica”, Projeto Parede, MAM, São Paulo, Brasil; “Atravessamentos”, Galeria Millan, São Paulo , Brasil; “Gabinete de Leitura”, Galeria vermelho, São Paulo, Brasil; “Reliquiae Rerum”, Capela do Morumbi, São Paulo, Brasil.
Principais exposições coletivas: “Oito décadas de abstração informal”, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil; “O espírito de cada época”, IFF – Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, Brasil; “Ouro”, CBBB – Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, Brasil; “18° Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil”, SESC Pompéia, São Paulo, Brasil; “Gravura Extrema”, Centre de la Gravure et de L’Image Imprimé, Bélgica; “Entre/Aberto”, XI Bienal Internacional de Cuenca, Equador; “Gabinete de Desenho”, Museu de Arte Moderna, São Paulo; “Modernos, Pós Modernos, Etc”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil; “Calming the Clouds”, The Foundation 3.14, Bergen, Noruega; “Arte Cidade III”, Indústrias Matarazzo, São Paulo, Brasil; “V International Istambul Biennial”, Imperial Mint, Istambul, Turquia; “A Little Object”, Centre for Freudian Analysis and Research, Londres, Inglaterra; XX e XXIII Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo, Brasil.
Coleções que possuem seus trabalhos: Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil; Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil; Coleção do Itamaraty, Brasília, Brasil; Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil; Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Brasil; CACI, Centro de Arte Contemporânea Inhotim, Brumadinho, Minas Gerais, Brasil; Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, Brasil.
FLÁVIA RIBEIRO
Três partes de espaço e uma de tempo
galeria marcelo guarnieri | ribeirão preto
opening
October 27, 2018 / 3 – 7pm
exhibition
October 27, 2018 – January 31, 2019
rua nélio guimarães, 1290
ribeirão preto – sp – brasil / 14025 290
[ mapa ]