EDU SIMÕES

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galeria marcelo guarnieri | ribeirão preto

abertura
17.outubro, 2015 / 16h – 19h

período de visitação
17.outubro – 21.novembro, 2015


CLICHÊ: ESSE AZUL DE NOTURNO MAR
por Diógenes Moura

A imagem do Cristo Redentor “visto” por trás de uma nuvem/neblina torna-se um quase símbolo para a série de imagens que Edu Simões reuniu para “exibir” como um álbum de memórias muito privada de uma cidade, o Rio de Janeiro, os seus dias, as suas glórias de “cidade maravilhosa”, os tênues limites que todo fotógrafo encontra justamente para não tornar clichê o que já é clichê: mar, pores de sol, contra planos, corpos em busca de uma perfeição que o tempo se encarregará de desfazer. Então a imagem do Cristo desaparecido nos força a olhar para dentro da cidade, num silêncio quase sagrado, numa busca cada vez mais à procura de um significado. Ali tão fluído e ao mesmo tempo quase imperceptível. O Redentor desaparecido.
Clichê seria um ensaio imagético e líquido se não fosse literatura, desde que o fotógrafo começou a percorrer pelos cantos da cidade, durante onze anos, os passos das palavras, da poesia, das crônicas, dos romances, da vida, da arte e da morte muito além da morte de Clarice, Cony, Drummond, Rubem, Machado, Millôr. Todos na primeira pessoa, todos com nome próprio. Não conheço destino mais cortante que esse: fotografar a palavra do outro. É quase um suicídio. Também poderá se tornar uma epifania. Como traduzir “eu” para uma imagem? Como traduzir “tu” para a imagem seguinte? Como tornar visível o fluxo que sopra em “quando digo eu quero dizer tu”? Como perceber a epiderme da cidade que encontra a pele e os músculos da palavra? Mais uma vez o fotógrafo caminha e vai descobrindo sua própria linguagem, a garganta das coisas.
Onze anos se passaram e o fotógrafo ali, vendo a ponte desaparecer em diagonal futurista entre homem, espaço, concreto, musgo e passagem numa busca perplexa pela arquitetura. O roteiro geográfico que se repete e repete e repete interior e exteriormente. Por que queremos que os outros vejam o que a gente viu? Não basta ver, cada um do seu jeito? Aqui não. Nada sossega a fotografia que busca a palavra. Não há descanso na voz interior do fotógrafo quando ele se depara com o elefante que é como a página de uma missiva com rumo certo. Quando a borboleta amarela sobrevoa o passado é como literatura. A representação de cavalos rompantes é como literatura. Os bustos clássicos decadentes são como literatura. Estar num lugar à beira do tempo e tão exclusivamente poderá se tornar uma fotografia. Mesmo assim, não é a imagem que traduz a palavra. Edu Simões e os dois lados da luz diagonal. O fotógrafo ao meio. Como Clarice, a atração pelo instante. O feminino incontido. O sujeito estarrecido. Esse modo “torto” de olhar o mundo. Ela aqui. Ele aqui. O clichê desaparecido: o Redentor paira sobre a cidade. O clichê isolado pela lente. Sim, poderá ser a imagem que traduz a palavra. Tudo contamina.


Teatro amazônico
por Marcelo Macca

UM,
Depois de um ano de andanças pela Amazônia, Edu está de volta à cidade. Na bagagem, centenas de fotos capturadas com sua fiel Hasselblad e alguns aprendizados fundamentais. Como, por exemplo, caminhar pela lama movediça de um meândrico mangue equatorial.
“É muito simples, depois que você aprende”, Edu explica, com vivo prazer. “Primeiro você pisa e deixa o pé afundar, sem resistência. Aí, você inclina o corpo e joga bruscamente o joelho na lama. Só apoiado dessa maneira você consegue desenterrar o outro pé e seguir adiante.”
Neste caso, seguir adiante em busca da fotografia. Seguir em busca daquele instante incerto entre o olho que enquadra e o dedo que dispara – e captura então a foto que sacode, que comove, que hipnotiza.
Sentado à minha frente, num dia chuvoso em São Paulo, Edu vai espalhando sobre a mesa de um café semideserto as provas de impressão das imagens, em tamanho diminuto, que vão compor o livro “Amazônia”.
Dispostas lado a lado, o conjunto de imagens em preto e branco (todas feitas com filme Ilford Delta 400) parece mais um numeroso e complicado jogo da memória. Talvez por isso, instintivamente, eu comece a buscar imagens casadas, associando certas fotos com outras: rio e céu com céu e rio, mar com mangue, pedra com ilha, tronco de árvore com tronco de gente.
Edu então declara, num leve tom de advertência: “Eu procurei não fazer um inventário da Amazônia.”
Vejo o que ele quer dizer: o mosaico amazônico sobre a mesa não estampa araras, índios, garimpos ou estradas precárias comidas pela floresta. São imagens sóbrias, às vezes sombrias, de uma Amazônia menos exótica, menos épica.
Indago a ele como tudo começou. De onde surgira a ideia e o desejo deste projeto?
Edu conta de tardes na casa do avô, onde, menino, folheava deslumbrado revistas como O Cruzeiro e Realidade, que traziam grandes reportagens sobre a Amazônia; relata leituras de histórias fabulosas sobre a floresta; relembra devaneios juvenis com mulheres guerreiras e índios perigosos.
O projeto então tinha a ver com esse sonho – do menino que permaneceu em Edu, fiel à sedução do mito amazônico. O menino que desejava ser o fotógrafo aventureiro que nos traria imagens e histórias de mundos distantes.
Porém, o homem maduro e experiente que acaba de realizar esse sonho – um ano navegando pelos rios e percorrendo os caminhos da maior floresta do planeta – não tinha o menor desejo de emular antigos fotógrafos viajantes.
“Isso acabou”, diz Edu, categórico. “As pessoas já conhecem o mundo. Têm acesso a suas imagens em tempo real. Por isso, não estou interessado em documentar ou relatar nada. Isso não faz mais sentido no meu trabalho.”
A essa profissão de fé corresponde um método de trabalho estrito, em que se rejeita toda fotografia que não provoque no fotógrafo uma sensação de ineditismo, ou que ameace contar uma história à revelia do autor.
Edu declara: “A realidade não é meu assunto. É meu instrumento de trabalho. Em fotografia, tudo é reinvenção. A realidade que se vê na foto é muito mais a realidade do fotógrafo.” E conclui: “As imagens que faço são uma troca entre mim e o teatro incessante do mundo.”
Numa das viagens durante esse ano, Edu contratou um monomotor para sobrevoar o arquipélago das Anavilhanas, um conjunto espetacular de mais de 400 ilhas no rio Negro. Mas essas fotos não estão sobre a mesa ou farão parte do livro. O sobrevoo foi “emocionante, o arquipélago é uma das coisas mais lindas que já vi”, diz Edu. Porém, desse dia de trabalho, praticamente nada sobreviveu. Todas as imagens foram descartadas, exceto uma, inesperada, do encontro das águas dos rios Negro e Solimões, ironicamente um dos cartões-postais da Amazônia. Foi a única imagem do dia com a dose exata de reinvenção que o fotógrafo desejava.

DOIS,
Entre doses crescentes de cafeína, ilhados pela chuva torrencial (quase amazônica) que cai sobre a cidade, continuamos nossa conversa, examinando as imagens com vagar.
O fotógrafo pode não querer contar histórias com suas imagens, mas o menino que folheava as revistas ilustradas na casa do avô voltou com um vasto repertório.
E agora relembra, deliciado, as dificuldades e desconfortos de sua jornada amazônica: tomar chuva durante horas nas voadeiras, ficar com a roupa toda molhada, passando do muito frio ao muito calor no espaço de uma hora; como se isso não bastasse, acordar de manhã e ter que vestir a roupa ainda molhada do dia anterior, devido à intensa umidade da mata; o calvário das coceiras causadas por insetos gulosos, maruins, mutucas, muriçocas, carapanãs e os temíveis micuins, microscópicos carrapatinhos que podem infestar o corpo de uma pessoa no mato e são capazes de enlouquecer um sujeito sem uma barra de Escabin à mão; os deliciosos sabores dos pratos diferentes que provou: o pato serrano no rio Moa, cujo molho é encorpado com farinha misturada ao sangue coagulado da ave; o jacaré no leite de castanha, com muita chicória e pimenta-de-cheiro, segundo a receita da dupla de cozinheiras Dona Rosa e Dona Rosi; as rodelinhas de banana frita com sal no café da manhã na serra do Divisor; o pirarucu recém-pescado em Mamirauá; e “o melhor doce do mundo”, a cocada de castanha do Seu Sabá.
E tem mais: a fantástica agilidade dos catadores de caranguejos que o ensinaram a caminhar no mangue de São Caetano de Odivelas, no Pará; a beleza selvagem do rio Iratapuru, a caminho dos distantes castanhais; a surpresa divertida diante do Japiim, um rio de muitas curvas, onde existe mão e contramão para os barcos; a emoção no Acre, na casa onde viveu Chico Mendes, e o entusiasmo pela prosperidade de seu seringal Cachoeira, cercado de fazendas cheias de árvores mortas; os plantões de 24 horas nos lagos de Mamirauá para impedir a pesca clandestina do Pirarucu; a árvore gigante que espalhou suas raízes por um lago inteiro no igarapé de São Raimundo; a perturbadora estranheza do monte Roraima, uma fortaleza natural talhada em despenhadeiros de mais de 400 metros de altura, e de cujo topo, segundo as mitologias indígenas, nasceram todos os rios do mundo. E ainda as amazonas cautelosas de Nova Esperança do Apuaú, no rio Negro, vila cujos moradores ganham a vida produzindo espetos de madeira para churrasquinho, vendidos depois em Manaus. É uma atividade ilegal, mas a produção é intensa e exige destreza no manuseio constante das facas que desbastam a madeira. No fim da tarde, na hora do lusco-fusco, quando os homens largam seus instrumentos de trabalho e começam a beber, as mulheres, silenciosa e sorrateiramente, começam a recolher as facas e vão escondê-las em lugar seguro. Para que, noite adentro, quando irromperem as brigas, e gritos e queixas cortarem o silêncio das casas, as armas não se encontrem facilmente à mão.
Poucas dessas histórias e emoções transparecem no livro. Elas estão lá, é claro, mas de forma oblíqua, filtradas pelo olhar exigente e arguto do fotógrafo, que não deseja documentar nem relatar nada. Que deseja apenas nos confrontar com essas imagens sobriamente enigmáticas, onde o que está escondido parece ser mais importante do que o que se mostra. Imagens que parecem querer se abrir apenas aos olhos de nossa imaginação.


Edu Simões (São Paulo, 1956) iniciou sua carreira como fotojornalista em 1976. Três anos mais tarde tornou-se um dos membros fundadores da agência F4, na qual permaneceu até 1982, ano em que passou a integrar a equipe da revista IstoÉ como editor-assistente de fotografia. Em 1988, começou a atuar como autônomo e foi editor de fotografia da revista Goodyear, na qual esteve até 1992. Deu início à série de ensaios fotográficos dos Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, em 1996. No ano seguinte, tornou-se editor de fotografia das revistas Bravo! e República. Seu trabalho Gastronomia para um dia de trabalho duro foi exibido em 2011 no FotoRio e na Maison Europeéenne de la Photographie, em Paris. Foi contemplado com o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia 2012, Vladmir Herzog de Direitos Humanos, em 1980. Suas obras integram os acervos da Coleção Pirelli/MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), do MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do MIS-SP (Museu da Imagem e do Som de São Paulo), do MAB-Faap (Museu de Arte Brasileira), da Coleção Mastercard/Brasil, da coleção do Centro de La Imagem de México e da Maison Europeéenne de la Photographie. Em 2012 publicou o livro Amazônia pela editora Terra Virgem. Em junho de 2013 apresenta o trabalho Eu Tenho Um Sonho, exposição à céu aberto na Favela da Rocinha.

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