ANA SARIO. Polaroid


ANA SARIO
Polaroid

galeria marcelo guarnieri | são paulo

abertura
09.11.2018 / 19h – 22h

período de visitação
09.11.2018 – 31.01.2019


Alameda Lorena, 1835
São Paulo – Brasil
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A aura e o lugar

A invenção da fotografia liberou a pintura da representação naturalista, criou ângulos e efeitos de luz dos quais certos pintores se apropriaram, democratizou o retrato, revelou uma dimensão natural da imagem, “não feita por mãos humanas”, como certas imagens sagradas, concedeu ao cadáver um direito à imagem, sendo sua difusão concomitante ao desenvolvimento de novas técnicas de embalsamamento. Poucos textos sobre o impacto causado pela invenção da fotografia foram tão influentes quanto A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica (Walter Benjamin, 1936). Uma pintura é um objeto singular, único, sua cópia é uma outra pintura. A essa unicidade, o autor chamou de “aura” e decretou que ela se perde com a reprodução técnica de imagens. Uma fotografia pode ser ampliada inúmeras vezes a partir do negativo sem que uma imagem seja mais autêntica do que a outra. O salto para o formato digital, que conserva, compartilha e reproduz imagens em forma de códigos numéricos, aprofunda as considerações de Benjamin sobre o novo contexto no qual não existe diferença entre o original e a cópia, as imagens não têm corpo nem lugar e as obras de arte perderam a aura.

A imagem fotográfica foi protagonista na época em que fotografias eram publicadas em jornais, revistas e livros, enviadas por telex ao redor do mundo, anterior à transmissão de TV ao vivo e via satélite. Em meio ao protagonismo da fotografia no século XX, as “polaróides” configuram um gênero híbrido. Encantavam pela aparição instantânea da imagem, pois prescindiam dos processos de revelação e ampliação, mas eram imagens únicas, desprovidas da “reprodutibilidade” das fotografias tradicionais, auráticas em certo sentido. Além disso, as fotografias instantâneas são mais suscetíveis à luz e ao calor, de modo que, embora possam durar muitas décadas se forem bem conservadas, estão condenadas a desaparecer, ao contrário das fotografias convencionais, das quais se preservam os negativos, e das imagens digitais, que são virtualmente eternas.

Desde as paisagens urbanas captadas em derivas pela Santa Cecíla e pela Vila Buarque, na região central da capital paulista (Lugar-comum, 2010), as pinturas de Ana Sario se inspiram no olhar fotográfico, como se as fotografias fossem uma espécie de caderno de campo. Certos enquadramentos das pinturas evidenciavam a origem fotográfica da imagem, apesar dos contornos, cores e pinceladas intensamente pictóricos. A fotografia representava, para aquelas pinturas, uma conexão com o lugar onde se fizera o olhar, como se as formas e os gestos fossem mais reveladores e expressivos do que meras fotos.

As novas pinturas se apropriam do formato das antigas fotografias instantâneas e reproduzem imagens encontradas na internet. Ao proporcionar uma encarnação para a imagem sem corpo, a pintura salva-a da irreferência à qual está eternamente condenada no não-lugar das infovias, submetida à avaliação visual instantânea dos cliques, incompatível com uma fruição verdadeira. Por outro lado, a série de pinturas produzidas a partir de imagens encontradas nas derivas virtuais reconfigura o espaço ao redor, torna-o “heterotópico” conforme a formulação do filósofo Michel Foucault, isto é, um lugar que está fora de todos os lugares, um “contraespaço”.

Possuir um corpo é o pré-requisito para se ocupar o espaço, para se estar em algum lugar. Embora a vida digital se desenrole em meio a imagens sem corpos, as pinturas de Ana Sario incorporam essas imagens, de modo que elas possam transformar o espaço em, como afirmou certa vez Paulo Pasta sobre a sua pintura, “um lugar para se estar”.

Relações vivas entre formas, cores e pinceladas circunscritas pelo formato estranhamente familiar das fotografias instantâneas celebram a alegria de estar no mundo, apesar dos limites impostos pela finitude, por oposição à vida eterna das imagens digitalizadas no mundo virtual, a vida isolada dos vínculos reais com as pessoas e com o mundo, uma vida nua.

José Bento Ferreira

ANA SARIO
Polaroid

galeria marcelo guarnieri | são paulo

opening
November 9, 2018 / 7 – 10pm

exhibition
November 9, 2018 – January 31, 2019


Alameda Lorena, 1835
São Paulo – Brasil
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The aura and the place

The invention of photography liberated painting from naturalistic representation, created angles and light effects from which certain painters had appropriated themselves, it democratized the portrait, revealed a natural dimension of the image, “not made by human hands,” like certain sacred images, granted the corpse a right to the image, and its diffusion took place concomitantly to the development of new techniques of embalming. Few texts on the impact caused by the invention of photography were as influential as “The work of art in the age of mechanical reproduction” (Walter Benjamin, 1936). A painting is a singular, unique object, your copy is another painting. To this oneness, the author called it “aura” and decreed that it is lost with the technical reproduction of images. A photograph can be printed many times from the negative without one image being more authentic than the other. The leap into the digital format, which conserves, shares and reproduces images in the form of numerical codes, deepens Benjamin’s considerations about the new context in which there is no difference between the original and the copy, the images have neither body nor works of art have lost their aura.

The photographic image was the protagonist at the time when photographs were published in newspapers, magazines and books, sent by telex around the world, before the transmission of live and satellite TV. Amid the leading role of photography in the 20th century, “polaroids” are a hybrid genre. They captivating by the instantaneous appearance of the image, for they dispensed the processes of revelation and enlargement, but they were unique images, devoid of the “reproducibility” of traditional photographs, auric in a certain sense. In addition, instant photographs are more susceptible to light and heat, so that although they can last for many decades if well preserved, they are doomed to disappear, unlike conventional photographs, from which the negatives are preserved, and from the digital images, which are virtually eternal.

From the urban landscapes taken in drifts by Santa Cecíla and Vila Buarque, in the central region of the city of São Paulo (Common Place, 2010), Ana Sario’s painting are inspired by the photographic look, as if the photographs were a kind of notebook field. Certain frames of the paintings showed the photographic origin of the image, despite the intensely pictorial outlines, colors and brushstrokes. For these paintings, the photograph represented a connection with the place where the gaze first happened, as if the forms and gestures were more revealing and expressive than mere photos.

The new paintings take the form of the old instant photographs and reproduce images found on the internet. By providing an embodiment for the bodyless image, the painting saves itself from the non-reference to which it is eternally condemned in the non-place of the shady paths, subjected to the instantaneous visual evaluation of the clicks, incompatible with a true fruition. On the other hand, the series of paintings produced from images found in virtual drifts reconfigures the space around it, makes it “heterotopic” according to the formulation of the philosopher Michel Foucault, that is, a place that is out of all places, a “counter space”.

Having a body is the prerequisite for occupying the space, to be somewhere. Although digital life unfolds amid images without bodies, Ana Sario’s paintings incorporate these images, so that they can transform space into, as Paulo Pasta once said about his painting, “a place to be” .

Living relationships between forms, colors and brushstrokes circumscribed by the strangely familiar format of instantaneous photographs celebrate the joy of being in the world, despite the limits imposed by finitude, in opposition to the eternal life of the digitized images in the virtual world, the isolated life of the real bonds with people and with the world, a naked life.

José Bento Ferreira

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