galeria marcelo guarnieri | rio de janeiro
abertura
23.03.2017 / 18h – 21h
período de visitação
23.03 – 06.05.2017
Rua Teixeira de Melo, 31 – lojas C/D
Ipanema – Rio de Janeiro – Brasil
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A cor das escolhas
por Marcelo Campos
Os procedimentos de Marcus Vinícius apresentados na exposição “A cor das escolhas: amarelados, azulados, avermelhados, esverdeados, cinzentos e multicoloridos” apontam para a discussão de três bases conceituais: estrutura, ornamento e arbitrariedade.
A palavra estrutura tem um lastro na arte, na arquitetura e nas ciências sociais, se pensarmos, por exemplo, as prerrogativas de Le Corbusier “a forma segue a função” ou Mies van der Rohe “less is more”. Ou no estruturalismo de Lévi-Strauss que previa o campo de observação, mapeando estruturas de parentesco, por exemplo, antes de conhecer propriamente seus habitantes. Porém, o Brasil subverteu a possibilidade dos roteiros, aceitou o fervor dos eventos, complexificou-se em anti-estruturas nas relações culturais, se direcionou, firmemente, ao ethos barroco, colonial, aos excessos, ao gosto pelas reproduções. E isto, hoje, se atualiza via importações e chinesices de todos os tipos, com produtos barateados e produzidos aos milhares.
Marcus Vinicius também se utiliza da produção industrial, mas, impõe-se uma regra, escolhendo apenas as “cores de catálogo”. Ou seja, o artista atenta e procura contornar as veleidades do desejo e do gosto, que poderiam colocá-lo em infinitas combinações. Assim, as “estruturas quadro”, como ele as denomina, evidenciam uma ambiguidade: a escolha e a regra. O minimalismo, por exemplo, em momentos mais radicais, não aceitava a cor que não fosse do próprio material. As corrosões do tempo ou o mais desumano polimento deveriam ser pré-produzidos, imaginados em projeto, gesto que configura uma herança construtivista. Em contraposição, a arte se direcionou à participação do público e acionou o imponderável das decisões. Muitas vezes, vemos trabalhos que apontam, firmemente, ao infinito modus operandi que, supostamente, faz o espectador co-agir, com-sentir, nos termos de Agamben, e completar a “parte maldita”, explicitada por Bataille, justamente a que se direciona ao desejo, às escolhas incertas que o próprio artista desconhece.
No título expandido desta exposição, vemos Marcus Vinícius elaborar tais ampliações, estruturando a escolha das cores (azul, amarelo, verde e vermelho), porém, ampliando-as em sufixos ao radical dos nomes “amarelado, azulado…”. Nos colocamos, então, a pensar em extensões, descendências, hereditariedades que, no caso específico, faz o artista optar, por exemplo, entre quatro tons de amarelo e dois ocres, restrito, como dissemos, ao catálogo pré-fabricado. Antes de tudo, devemos perceber que há dois modos de vincular as estruturas nas quais a obra do artista se referenda para tratar do primário das cores: o RGB (vermelho, verde e azul), característico da cor-luz, ou o CMYK (ciano, magenta, amarelo e preto), usados na cor-pigmento.
Luz e pigmento, assim, condicionam-nos a outras possibilidades de interpretação. A matéria, segundo o artista, continua presente e acrescida de subjetividade, pois há, na pintura feita a pincel sobre as placas de madeira e vidro, o corpo do sujeito. O corpo, parcela de humanidade na qual as subversões tornam-se inevitáveis. O corpo que se coloca a ornamentar, desenhar espontaneamente, criar volutas, arestas, rasgar, pichar os muros das cidades, atirar pedras nas vidraças. E a subjetividade que nos coloca diante da dúvida, algo tão impensável ao olharmos a produção das “estruturas quadro”, mas que se tornou, também, como nos termos de Foster, a encruzilhada do minimalismo. Neste sentido, pensemos em Josef Albers e nas infinitas combinações que, antes da firmeza geométrica, nos afetavam em rascunhos, desenhos, esboços nos quais o errático das pinceladas humanizava a produção. Willys de Castro, de modo distinto, ativava o observador convidando-os a percorrer a obra. Ou, mesmo, em Volpi que agia na porosidade da têmpera, quando a expectativa seria pela cor pós-manufaturada.
Hoje, as escolhas arbitrárias fazem o mundo ultrapassar limites, possibilitando-nos, por exemplo, mexer na biologia, para o bem e para o mal, manipulando-se a própria natureza. Com isso, ao pensarmos em pinturas e livros, objetos mais próximos ao jogo entre bi e tridimensionalidade que Marcus Vinicius produz, podemos rememorar suas ancestralidades naturais: o cânhamo, o linho, o líber das árvores, as conchas que nos deram o púrpura, os metais produzindo os brancos. No avesso do que se pode perceber, Marcus Vinícius, que parece subsumir com o orgânico da matéria, muito ao contrário, aproxima-nos das escalas domésticas, dos objetos do afeto, dos alfarrábios, quadros, ecrãs. Hoje, cegamo-nos às estruturas das coisas que continuam nos acompanhando dia a dia, pois só confiamos em telas ligadas, oferecendo-nos a promessa de fundos infinitos, de mergulhos e saciedades. E suas estruturas, seus quadros, só se deixam observar quando os aparelhos estão desligados.
Marcus Vinícius nasceu em 1967 em São Paulo.
Atualmente vive e trabalha em Osasco, São Paulo, Brasil.
galeria marcelo guarnieri | rio de janeiro
opening
March 23, 2017 / 6 – 9pm
exhibition
March 23 – May 06, 2017
Rua Teixeira de Melo, 31 – lojas C/D
Ipanema – Rio de Janeiro – Brasil
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A cor das escolhas (The color of the choices)
by Marcelo Campos
The procedures that Marcus Vinícius presented at the exhibition “A cor das escolhas: amarelados, azulados, avermelhados, esverdeados, cinzentos e multicoloridos” point to the discussion of three conceptual bases: structure, ornament and arbitrariness.
The word structure has a ballast in art, architecture and the social sciences, if we think, for example, the prerogatives of Le Corbusier “form follows function” or Mies van der Rohe “less is more”. Or Levi-Strauss’ structuralism which provided for the field of observation, mapping kinship structures, for example, before knowing exactly its inhabitants. However, Brazil subverted the possibility of the scripts, accepted the fervor of events, became complex in anti-structures in cultural relations, is directed firmly to the baroque ethos, colonial, the excesses, the taste for reproductions. And that, today, is updated via imports and Chinese things of all kinds, with cheap products produced in thousands.
Marcus Vinicius also uses industrial production, but a rule is imposed, choosing only the “catalog colors”. That is, the artist is attentive and looking around the whims of desire and taste, which could put him in endless combinations. Thus, “framework structures”, as he calls them, show an ambiguity: choice and rule. Minimalism, for example, in more radical times, did not accept color other than the material itself. The corrosion of time or the most inhuman polishing should be pre-produced, imagined in design, a gesture that configures a constructivist heritage. In contrast, art was directed to the public participation and triggered the imponderable of the decisions. Often, we see works that firmly point to the infinite modus operandi that, supposedly, causes the spectator to co-act, to feel, in Agamben’s terms, and to complete the “damned part”, made explicit by Bataille, precisely the one that is directed to the desire, to the uncertain choices that the own artist does not know.
In the expanded title of this exhibition, we see Marcus Vinícius elaborating such enlargements, structuring the choice of colors (blue, yellow, green and red), but enlarging them in suffixes to the radical of the names “yellowish, bluish…” We then think of extensions, descendants, and hereditaries that, in the specific case, make the artist choose, for example, between four shades of yellow and two ochres, restricted, as we have said, to the prefabricated catalog. First of all, we must realize that there are two ways of linking the structures in which the artist’s work refers to the primary color: RGB (red, green and blue), characteristic of light-color, or CMYK (cyan, magenta, yellow and black), used in color-pigment.
Light and pigment, like this, condition us to other possibilities of interpretation. The matter, according to the artist, is still present and increased subjectivity, as there, the paintbrush made on the plates of glass and wood, the body of the subject. The body portion of humanity in which the subversions become inevitable. The body you put in to decorate draws spontaneously, creates scrolls, edges, tears, spray the city walls, throw stones at the windows. And subjectivity puts us in the face of doubt, something so unthinkable when we look at the production of “framework structures”, but which has also become, as in Foster’s terms, the crossroads of minimalism. In this sense, think of Josef Albers and the endless combinations that before the geometric firmness in affected in drafts, drawings, sketches in which the erratic strokes of humanized production. Willys de Castro, in a different way, activated the observer by inviting him to go through the work. Or even in Volpi acting on the porosity of the temper, when the expectation would be for the post-manufactured color.
Today, arbitrary choices make the world go beyond limits, enabling us, for example, to manipulate biology, for good and evil, manipulating nature itself. Thus, when we think of paintings and books, objects closer to the game of bi-and three-dimensionality that Marcus Vinicius produces, we can recall his natural ancestry: hemp, flax, bark of the trees, shells that gave us purple, metals producing white. In the opposite of what you can see, Marcus Vinicius, who seems to subsume with organic matter from his works, on the contrary, brings us closer to the domestic scales, objects of affection, of old books, paintings, screens. Today, we are blind to the structures of things that continue to accompany us day by day, because we rely only on linked screens, offering us the promise of infinite funds, dives and satiations. And its structures, its frames, are only observed when the devices are off.
Marcus Vinícius was born in 1967 in São Paulo.
Currently lives and works in Osasco, São Paulo, Brazil.